terça-feira, 15 de julho de 2008

A Infraero informa...

Era um fim de noite tranquilo naquela saleta de redação de telejornal. O programa acabara de ir ao ar com as matérias mais quentes do dia e a reunião de pauta chegava ao seu término. O clima já era de despedida quando entra ninguém-sabe-quem esbaforido, com a notícia mais inesperada do dia inteiro: "CAIU UM AVIÃO. UM BIMOTOR. PERTO DO AEROPORTO. ACABEI DE OUVIR NO RÁDIO DA POLÍCIA!"
Nem preciso dizer que a pauta acertada havia ido pras cucuias, o ensaio de despedida tinha sido abortado e agora a primeira ação era apurar informações.
Nessas horas, todo mundo vira um polvo e tem seus oito braços. Com um telefonema, a equipe já havia sido enviada ao local do acidente. Um grito aqui e o estúdio havia sido reaberto, as luzes religadas e os equipamentos reativados. Só faltava lincar o repórter com a base, preparar a vinheta de abertura e cortar a programação da rede. Lá estaríamos nós dando em primeira mão a notícia que ia ser assunto em todas as rodinhas de cerveja e todas as pausas para o cafezinho. E, lógico, era pauta certa para o resto da semana.
A primeira ligação foi para a Infraero. Chama o telefone, a atendente começa a conversa.
- Infraero, boa noite.
- Oi, quem fala?
- Fulana
- Oi Fulana, aqui é Arthur, da Tv Alagoas - SBT, tudo bem?
- Tudo
- A gente acaba de receber a notícia de que um avião bimotor acabou de cair aí no aeroporto. Procede?
- Ahn? É.... (segundo de silêncio). Um minuto, vou passar para o meu supervisor.
Apertei a teclinha de "mute" e mandei as primeiras informações pra galera que, neste momento estava apreensiva e impaciente por não poder ir pra casa.
- ATENÇÃO! ELA VAI ME PASSAR PARA O SUPERVISOR!!
E nada de o supervisor atender. Minha mente maquinava, a respiração aumentava de ritmo. Lógico que o supervisor não ia atender. Afinal, um avião tinha caído. Ele não ia ficar esperando a imprensa ligar. O caos estava instalado na Infraero e o responsável não iria ficar prestando esclarecimento a um estagiário de televisão.
Desliguei. Eu precisava de alguém que me confirmasse a queda de um avião. Liguei na SAMU (e dessa vez eu lembrei o número*).
- Atendimento SAMU.
- Boa noite, quem fala?
- Fulana.
- Oi, Fulana. Aqui é o Arthur, da Tv Alagoas - SBT, tudo bem?
- Hum... (não devia estar tudo bem.)
- A gente recebeu a informação de que um avião tinha caído nas proximidades do aeroporto Zumbi dos Palmares. Vocês foram acionados? Estão sabendo de alguma coisa?
Em tom de riso, ela mandou um assim - Avião? Caiu? Espera aí, tá?
Apertei a teclinha de "mute" de novo. Falei com a redação - Gente, a mulher riu da minha cara.
Enquanto todos aguardavam o resultado da ligação o dono da emissora entra na redação bem eufórico. Afinal, como eu já disse antes, íamos dar a notícia em primeira mão. Isso queria dizer que, no jargão tevealagoano, iríamos "dar um pau na Pajuçara".
Enquanto os outros falavam sobre a transmissão, eu me forçava para concentrar na conversa da atendente da SAMU com uma outra pessoa, que continuava a rir, dizendo alguma coisa como "O menino da tv Alagoas tá querendo saber se caiu um avião", como se eu tivesse dito a coisa mais absurda do mundo. Logo depois ela volta a falar comigo. Só aí tirei o dedo do "mute".
- Senhor...
- Ahn?
- Ó, o que eu soube aqui é que está havendo um treinamento do Corpo de Bombeiros. A equipe foi acionada sim, mas foi só um treinamento.
- Ahn... tá. Tá bom.
Intimamente eu não tinha me conformado, mas não queria chamar a pobre atendente do SAMU de mentirosa. Comuniquei à redação. Ainda bem que todos pensaram como eu e não se conformaram. Para nós, já era obvio de que o avião realmente havia se espatifado no chão e que corpos em chama e um monte de ferro retorcido seriam a manchete do dia seguinte.
Ligamos para um dos repórteres, que também achou estranho: "Treinamento de noite? Não existe. Corre pra lá, monta o link, vamos entrar ao vivo!".
Eu estava impaciente. Teria que esperar a equipe de reportagem chegar lá para ter a confirmação, enfim? É. Teria. Ou melhor, teria - no passado - até meu cérebro estalar: LIGA PRO CORPO DE BOMBEIROS, HOMEM DE DEUS!
Um grito de pressa desesperada saiu: QUAL A PORRA DO NÚMERO DO BOMBEIRO?
Antes de ouvir a reposta, lembrei do 193. Só que desta vez a pergunta ia ser diferente:
- Corpo de Bombeiros...
- Boa noite, quem fala?
- Fulano. (Dessa vez era homem)
- Oi Fulano, aqui é o Arthur, da Tv Alagoas - SBT, tudo bem?
- Opa, meu amigo. Diga lá. (Talvez também não estivesse tudo bem com ele).
- Fulano, está acontecendo um treinamento de vocês agora lá no aeroporto?
- É. Um treinamento. De rotina, sabe?
- (Desapontado) Ah, sei. Tá bom então. Obrigado, boa noite.
Virei pra editora e sugeri com o máximo de desânimo: Manda a equipe cobrir o treinamento pra não perder a viagem então.
E lá se foi a nossa equipe, cobrir treinamento do Corpo de Bombeiros. Lá se foi a nossa esperança de dar a notícia primeiro. Ou melhor, restava uma última cartada: "O jornal da Pajuçara tá começando! Aumenta a tv!!".
E só aí a idéia foi abortada. O avião era alarme falso.
Só aí percebi o quanto eu estava feliz com a notícia que poderia significar a morte de algumas pessoas. Mas o sangue do jornalista falou mais alto na hora. A adrenalina subiu, os olhos brilharam, o sorriso abriu. Tudo isso foi inevitável. Acontece com todo jornalista (seja ele formado ou não).
Mas pelo menos a Pajuçara também não deu pau na gente.
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