domingo, 21 de setembro de 2008

Maísa foi embora.

Abaixo, dois textos que escrevi pra um trabalho na faculdade. A intenção era mostrar uma descrição estática e uma dinâmica. Eu não sei se consegui do jeito que era pra conseguir, mas gostei do resultado. Eu optei por contar a mesma história de duas formas diferentes. Ainda penso em continuar com a versão do assassino, a da mãe da menina e a do cachorro. Mas, isso é mais pra frente. Por enquanto, tá aí.

Os próximos dias 19 de setembro jamais passarão em branco na família Frias. Era cerca de oito horas da manhã naquele apartamento de classe média alta no bairro da ponta Verde, em Maceió. O sol brilhava lá fora. No quinto andar, a chaleira começou a chiar, dando o sinal de que a água do café estava fervendo. O som agudo parecia ritmar a dança das mudas de alecrins e manjericões do lado de fora da janela da cozinha.

O barulho irritante chegou aos ouvidos de Dodô, o pequeno basset de pêlos cor de caramelo da família. Este, por sua vez, incomodado com aquilo, procurava a dona, Maisa, para ajudar a amenizar o ruído. Um cheiro estranho, porém, o chamou à segunda porta à direita do corredor. Era o quarto de Maisa. O cheiro era de sangue.

Dodô ainda lembrava: Ela havia chegado da caminhada, brincou um pouco com ele e pôs a água no fogo pra esquentar enquanto tomava banho. Agora, lá estava ela, deitada no chão, os cabelos molhados. Dodô a cheirou, lambeu seu rosto, mas o gosto ruim do sangue o fez parar. De repente, o apito da chaleira cessou.

Por horas, só se ouvia o som do silêncio, que foi cortado pelo da chave girando a fechadura. Era Dona Branca, mãe de Maísa. Olhou para Dodô, que não fez a habitual festa com sua chegada e continuava deitado embaixo da mesa de jantar. Ela estranhou. Foi até ele, alisou a cabeça. O cão respondeu com o rabo abanando, levantou e, como se pedisse para que ela o seguisse, em direção ao quarto de Maísa. Branca percebeu a intenção de leva-la ao quarto da filha e seguiu. O cachorro se postou ao lado do corpo e olhou para Branca. Os rosto da senhora, queimado de sol, começou a palidar, os olhos arregalados. As lágrimas acompanharam um grito abafado de dor. Em choque, branca ajoelhou-se ao lado do corpo da filha. O vidro temperado do box em estilhaços molhados com o sangue que saía de um buraco na testa da garota. Passava de meio dia e o corpo já estava gelado.

Maísa Frias entrara para as estatísticas como vítima de um assassinato – ainda – sem autor ou motivo. Em todas as entrevistas, a família se limitou a pedir justiça. No velório, os choros tímidos não escondiam a dor e a revolta. Já no enterro, a única voz que se ouviu foi a de Letícia, a prima de quatro anos, que disse: "Maísa foi embora".

***********************

Maísa Frias acordou disposta naquele 19 de setembro. Levantou mais cedo que o de costume, tomou um suco de laranja da fruta com pães torrados melados de geléia de amoras. Brincou um pouco com Dodô, seu pequeno basset com pêlos cor de caramelo e voltou pro quarto. Pôs a roupa de corrida e saiu de casa. Nesse dia, o porteiro disse, ela desceu de escada os cinco andares daquele prédio de classe média alta, na Ponta Verde, em Maceió.

Caminhou para a esquerda, em direção à Jatiúca. No caminho, trombou com uma de suas melhores amigas, Roberta, com quem continuou o resto da caminhada entre risos e fofocas. Para deleite dos rapazes, neste dia, Maísa prendeu os cabelos loiros com um rabo de cavalo, vestiu uma calça leg preta com listras brancas laterais e camiseta regata cor de rosa colada, ambas demarcando o corpo trabalhado na academia.

Uma hora e meia depois da corrida, as duas amigas se despediram. Maísa subiu, desta vez, de elevador. Entrou em casa e estranhou a porta aberta. Jurava que tinha deixado trancada. Dodô parecia assustado, mas não deixou de fazer festa quando ela entrou em casa. A jovem respondeu a recepção com carinhos e afagos, como sempre fazia. Foi até a cozinha, colocou um pouco de água na chaleira para fazer o café que tomava depois da caminhada. Usou fogo baixo, para dar tempo de um banho. Entrou na sua suíte e foi direto ao chuveiro.

O barulho da água caindo não a deixou escutar os passos se aproximando. Era Guilherme, seu ex-namorado. Armou a pistola com silenciador e esperou do lado de fora da porta do banheiro. Ao ouvir o chuveiro desligar a surpreendeu. Ela, de súbito, gritou. Ele mostrou a arma, fazendo-a calar.

A respiração dos dois ofegava quando ela tentou fugir, sem sucesso. Guilherme a bateu no rosto com força, arrancando mais gritos. Maísa, então, procurou se defender com chutes, acertando alguns nas canelas de Guilherme. Ele, impaciente, falou que ela não o machucava mais e que nenhuma dor é comparada à que ele sentiu ao ser traído pela menina enquanto namoravam. Maísa tentou argumentar, mas o ex lhe deu ordem de calar-se. A moça, com medo, achou melhor obedecer.

Guilherme desabafou, dizendo que ela nunca deveria tê-lo traído, que um namorado como ele, Maísa jamais encontraria e que nunca a perdoaria. Disse ainda que só voltaria a ser feliz quando fizesse vingança e que aquele havia sido o jeito de satisfazer sua vontade.

- Acabar com a sua vida é o modo que eu arranjei de continuar com a minha, revelou.
- Pense direitinho, Gui. Não faça isso, suplicou. Sem sucesso.

Tarde demais. A decisão já estava tomada. Guilherme a empurrou para dentro do box e, pelo lado de fora, disparou o tiro certeiro na cabeça de Maísa. Ela, ainda enrolada na toalha branca, caiu. O assassino saiu do mesmo jeito que entrou, pela porta da frente.

Nenhum comentário: