sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Bíblia, waffer e farelos.

Entre uns 'com licença' e 'ops, desculpe!' por causa do corredor apertado do avião, cheguei até a poltrona 20D. Ao meu lado, sentou uma senhorinha. Saia até os joelhos, presilhas prendendo os cabelos branquinhos, casaco preto de lã e uma bolsa feita com anel de lata de refrigerante (cores verde, amarelo e vermelho). Sentou-se sem dizer nada, mas a ajudei a atar os cintos. Ela agradeceu e se aquietou.

Abriu a bolsa e, lembram do Gato Félix do desenho animado? Ele tinha uma bolsa de onde saía de tudo. A dela era assim. Começou com um livro de capa preta de couro que, nem precisava dizer, era uma bíblia. Mesmo assim, a senhorinha achou conveniente deixar por escrito, na capa que aquilo era uma bíblia. Sei disso porque tinha escrito de corretivo/branquinho/liquid papper: Biblía (sic).

Ficou lá, lendo o livro sagrado, como quem cochicha com alguém ao pé do ouvido. E devia saber de cor, porque olhou pela janelinha e continuou cochichando o texto pra ela mesma.

Então ela abre novamente a bolsa mágica e tira de lá um pacote fechado de waffer. Ah, os waffers... Renderam uma boa e sacana diversão. A coitadinha da velhinha lutou feio com o pacote, tentando abrir. Virava pra cima, puxava a aba colada que não saía do lugar. Virava pra baixo e tentava ver, em vão, se a aba oposta à teimosa seria mais compreensiva, mas aquela também era irredutível em se mexer. E lá ia ela de uma aba para outra, sem sucesso. Eu gargalhava internamente, porque estava vendo o nome 'PUXE' gritando em amarelo naquela fitinha vermelha. Fiquei na minha, tentando disfarçar o sorriso. Depois de uns dois minutos tentando, a velhinha olhou pro pacote, respirou fundo (essa parte foi legal!), balançou a cabeça em sinal negativo e, enfim, puxou no local indicado. Abriu e começou a comer o biscoitinho dela. Mais tarde, abriu novamente a 'pochete' e deu pra ver que ela ainda carregava um pacote de biscoito recheado, um guaraná caçulinha e um lencinho. Uma feira!

Passa a aeromoça com umas balinhas, daquelas que grudam no céu da boca. Ela pegou uma e pôs na bolsa mágica. Volta a comissária e ela pega outra balinha e joga na bolsa. Tirou um terço de lá. 'Shshshshshsh', cochichando as rezas. Parou e se aquietou. Quis levantar-se e ficou se debatendo com o cinto (rárárá). Assisti à cena com o canto do olho e deixei que tentasse um pouco, antes de ajudar, enquanto, por dentro, me matava de rir. Me dei mal. Bem mal, pois não demorou muito e subiu aquele fedor. A pobrezinha queria soltar uma 'bomba de gás' no banheiro, coitada. Não fiquei com raiva do fedor. Cheirei meu braço perfumado enquanto ria, desta vez, sem conseguir disfarçar. Eu pensava 'Deus castiga a quem não ajuda a velhinhas com o cinto do avião'.

E assim foi a viagem inteira. Um pouco de cochicho, um pouco de biscoito. Na chegada, ajudei a desatar o cinto. Ela desce, deixando lembranças engraçadas e farelo no chão.

2 comentários:

Carla disse...

Arthur, vim aqui deixar um singelo elogio ao seu blog. Afirmo com veemência que adoro ler suas postagens.
Passei a lê-lo a partir do post que você escreveu sobre o show "Mais Perto" da Millane Hora, pois a própria, que é minha amiga, indicou-me a leitura.
É gratificante ler textos de tamanha qualidade de um conterrâneo que, não contente em escrever, ainda é um baita de um fotógrafo (adorei as fotos do show!) :-)
Parabéns! Meu blog recomenda o seu.
www.drinkdeideias.blogspot.com

Patricia disse...

Imaginei como se fosse um curta. Como foi sua vinda a Sampa?
Um beeeijo!